domingo, 30 de junho de 2013

Alda Lara

TESTAMENTO


À prostituta mais nova

Do bairro mais velho e escuro,

Deixo os meus brincos, lavrados

Em cristal, límpido e puro...



E àquela virgem esquecida

Rapariga sem ternura,

Sonhando algures uma lenda,

Deixo o meu vestido branco,

O meu vestido de noiva,

Todo tecido de renda...



Este meu rosário antigo

Ofereço-o àquele amigo

Que não acredita em Deus...



E os livros, rosários meus

Das contas de outro sofrer,

São para os homens humildes,

Que nunca souberam ler.



Quanto aos meus poemas loucos,

Esses, que são de dor

Sincera e desordenada...

Esses, que são de esperança,

Desesperada mas firme,

Deixo-os a ti, meu amor...



Para que, na paz da hora,

Em que a minha alma venha

Beijar de longe os teus olhos,



Vás por essa noite fora...

Com passos feitos de lua,

Oferecê-los às crianças

Que encontrares em cada rua...


Alda Ferreira Pires Barreto de Lara Albuquerque, conhecida como Alda Lara (1930 - 1962), foi uma poetisa angolana, que criou uma grande produção poética, publicada apenas após a sua morte, através da recolha dos seus poemas feita pelo seu marido.

Alda Lara foi casada com o escritor Orlando Albuquerque. Ainda nova mudou-se para Lisboa onde concluiu o 7º ano do Liceu. Posteriormente, frequentou as Faculdades de Medicina de Lisboa e depois de Coimbra, onde acabou por se licenciar. Esteve ligada a atividades da Casa dos Estudantes do Império (CEI), sendo uma excelente declamadora, chamando a atenção para os poetas africanos. Após a sua morte, a Câmara Municipal de Sá da Bandeira (atual Lubango) instituiu o Prêmio Alda Lara de poesia, em sua homenagem.

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